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Projeto do Arquivo Público resgata histórias não oficiais de pioneiros

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Por Lúcio Flávio e Lívia Braz, da Agência Brasília
Foto: Acácio Pinheiro

E se a Catedral Metropolitana de Brasília ficasse no meio da Praça dos Três Poderes ou a torre do Congresso fosse uma só com detalhes em alto relevo na parede externa? E se o Palácio do Planalto trocasse de lugar com o Superior Tribunal Federal ou a cúpula da Câmara dos Deputados tivesse a forma da casca em concreto armado localizado no Setor Militar Urbano?

Todas essas possibilidades foram imaginadas e esboçadas pelo arquiteto Oscar Niemeyer antes de apresentar o projeto definitivo da nova capital brasileira ao presidente Juscelino Kubitschek, no final dos anos 1950. Quem conta essa história é o pioneiro mineiro, Gervásio Cardoso de Oliveira Filho, 78 anos.

Ele foi estagiário de Niemeyer durante as construções dos primeiros edifícios da capital e detentor de 14 traços que revelam as transformações sofridas no projeto original do Congresso Nacional. Os rascunhos datam de 1957 e até agora estavam inéditos para o público. “É a Brasília que ninguém viu”, brinca o arquiteto, que guardou esse segredo histórico por 44 anos.

“São obras que revelam o processo criativo de Oscar Niemeyer, a evolução de cada ideia até chegar ao projeto original de uma obra”, conta Gervásio, que doou o material para o Arquivo Público do Distrito Federal (ArPDF). Os esboços irão compor a coleção Projeto Pioneiros, novo programa da instituição arquivística.

Dividido em duas linhas de pesquisas, o Projeto Pioneiros visa resgatar, além de divulgar, a história da construção, inauguração e consolidação de Brasília por um olhar mais romântico e mais humano, que foge dos registros oficiais.

“O Arquivo Público é a casa da memória do DF, é uma instituição que tem a vocação, missão de guardar a história dos protagonistas que fizeram parte da história desta cidade”, comenta o historiador do órgão, Elias Manoel da Silva, há 17 anos servidor do espaço.

Na etapa Olhar Pioneiro, serão recolhidos registros de fontes diversas como, por exemplo, vídeos, textos e fotografias, sobre o surgimento da nova capital. Noutra fase, intitulada Pioneiros – A História que Ninguém Contou, serão feitas entrevistas que trazem à luz fatos inéditos ou curiosos sobre a história de Brasília.

“O ArPDF entrou em contato com mais de dez pioneiros e estamos nos articulando para buscar essas imagens e as histórias inéditas que eles têm para contar. São pessoas que estiveram à margem ou não tiveram tanto espaço midiático quanto as grandes figuras do início da cidade, mas que merecem e devem ter seus feitos imortalizados porque também fazem parte dessa história”, avalia o superintendente do espaço, Adalberto Scigliano.

Encontros históricos

A primeira vez que Gervásio Cardoso ouviu falar sobre a construção de Brasília foi na escola, no final dos anos 1950, em Patos de Minas. Ele tinha 16 anos e a partir da inusitada notícia começou a traçar os destinos de sua vida profissional, intrinsecamente, ligada com a capital do país.

O pioneiro não esconde as lágrimas quando se lembra do episódio. “A professora nos disse que tinha se hospedado na cidade o arquiteto que estava planejando a nova capital do Brasil”, recorda. “Aquilo mexeu com a minha cabeça, me interessou de tal forma que falei para o meu pai que eu queria ser arquiteto”, conta ele, que já gostava de fazer alguns rabiscos.

Quando menos esperava, lá estava ele no coração do Planalto Central, no meio de um dos canteiros de obras da Esplanada, trazendo debaixo do braço uma caricatura de Oscar Niemeyer. O ano? 1959. Meses depois, já integrava a equipe de urbanismo e arquitetura do ídolo, colaborando com esboços e desenhos de prédios.

“Ele me recebeu da maneira mais carinhosa possível, olhou com atenção os desenhos, perguntou se eu gostava de desenhar, se queria aprender e mandou alguém trazer uma prancheta”, lembra Gervásio Cardoso.

Quase duas décadas depois, em meados dos anos 1970, depois de se formar na Universidade de Brasília (UnB) e passar temporada de um ano na França, o pupilo voltaria a se encontrar novamente com o mestre em Brasília. Agora experiente na profissão, recebeu a incumbência de dar sequência ao projeto de construção do anexo do Senado Federal e colaborou na finalização do edifício do Palácio da Justiça.

Foi mais ou menos nessa época, em 1977, que recebeu de presente os 14 rascunhos das ideias que teve para o Congresso Nacional com a simples dedicatória: “Para Gervásio, com um abraço de Oscar Niemeyer”. “Só de ele ter concordado que eu desenvolvesse um projeto dele, era a maior prova de que confiava em mim”, diz, orgulhoso.

Cerzindo história

Moradora há 51 anos da Vila Planalto, a paraense Icila Damasceno de Sena, 87 anos, tem muitas histórias para contar sobre os primórdios da construção de Brasília. Chegou aqui com o pai, o militar paraense Antônio Pereira Damasceno, que acabou se tornando um dos primeiros fotógrafos da nova capital.

Tal qual o mineiro Gervásio Cardoso, a família logo aprendeu a importância de registrar os fatos que a cercavam. Afinal, não era todo dia que uma cidade nascia do nada bem diante dos olhos. Uma urbe, diga-se de passagem, que estava sendo projetada para ser a nova capital do país. Como o pai era fotógrafo, tudo ficou mais fácil.

“Ele era militar, tinha organização e anotava tudo que registrava com sua câmera. Nos ensinava a valorizar o resgate da memória das pessoas, dizia que era história”, comenta a pioneira, uma das primeiras moradoras da Candangolândia. “Quando ele veio trabalhar na Novacap, moravam nos alojamentos; quando ganhou a casa, fez uma placa com os dizeres: ‘Retiro do Damasceno’. Depois fomos para uma casa na W3 Sul”, diz.

Entre as preciosidades que a família reservou para o Projeto Pioneiro, do ArPDF, estão imagens do antigo Rio Paranoá, antes de virar o lago, além de experiências como uma das primeiras cerzideiras de Brasília, atendendo uma clientela de peso, formada por presidentes como Costa e Silva, João Figueiredo e, veja só, até Fernando Henrique Cardoso. “Eu cerzia muito, tinha muito serviço”, destaca.

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