Da Redação
Foto: Caio Marins
A primeira boate gay de Brasília, a New Aquarius, ainda acende a pista no imaginário cultural da capital do poder. Encravado no subsolo do Conic, o espaço abriu as portas no período mais austero da ditadura militar. Primeiro como um discreto bar, em 1974, para “entendidos” (assim que a população LGBTQIA+ era chamada nos anos 1970), depois como a discoteca, em 1976, que reuniu artistas, jornalistas, boêmios, intelectuais, estudantes, servidores públicos e alternativos.
É sobre este universo de liberdade em tempos de mordaças da ditadura que se ergue o espetáculo O Arco-íris do Concreto, texto e direção de Sérgio Maggio, que tem temporada de oito sessões gratuitas no Complexo Cultural de Samambaia (23 e 24 de setembro) e no Sesc Silvio Barbato (26 a 28 de setembro e 3 a 5 de outubro).
Em cena, os intérpretes-criadores Hugo Leonardo, Maria Leo Araruna e Pedro Olivo dão vida a personagens que habitam tempos de ação entre o presente e as memórias. A montagem tem participação dos atores Jones Schneider e Wryel Lima. A Drag Queen LuShonda será a hostess da temporada, recepcionando o público no foyer dos teatros.
“Desde que cheguei em Brasília, em 2001, que as histórias da New Aquarius sussurravam aos meus ouvidos, sempre com muito afeto e saudosismo. Iniciei a pesquisa para a escrita e montagem da peça, em 2019, e fomos interrompidos pela pandemia. Agora, finalmente, chegamos ao palco não só para escavar memórias, mas, sobretudo, para discutir o significado desses espaços transgressores numa época de extrema violência institucional contra pessoas LGBTQIA+”, aponta o diretor-dramaturgo da Criaturas Alaranjadas Núcleo de Criação Continuada.
A montagem foi selecionada pelo edital SESC + Cultura e tem patrocínio do Fundo de Apoio à Cultura (FAC), dentro do projeto “Aquarius, O Arco-íris do Concreto”, da Drag Queen LuShonda, autora do documentário Um Salto Alto – A História da Arte Transformista no Distrito Federal.
Cabaré de Resistência
Em O Arco-íris do Concreto, a narrativa constrói o encontro geracional entre a transformista Mona Mone de Liz Taylor (Hugo Leonardo) e de Martina (Maria Leo Araruna). Enquanto Mona se prepara para se despedir de Brasília e das lembranças da New Aquarius, Martina chega em busca de respostas sobre a história de amor vivida pelos pais que se conheceram na boate em 1976. Entre as duas personagens, encontra-se Luna (Pedro Olivo), uma jovem drag queen que tenta se entender em meio aos tempos atuais e tantas memórias postas em cena. “A peça discute a importância da memória LGBTQIA+, a partir do embate entre diferentes gerações”, destaca Maria Leo.
A montagem põe diante dos olhos dos espectadores as fricções sobre esses tempos. Dos perigos às distrações. O palco se ilumina com músicas e danças, enquanto os intérpretes inundam a ficção de Maggio com relatos pessoais e histórias que ecoam a luta por aceitação e direitos da comunidade LGBTQIA+. “Colorir o concreto com as cores do arco-íris no cenário seco de Brasília é reivindicar nossa existência em meio a esse deserto no centro do Brasil”, observa o ator Hugo Leonardo, destaque na cena de Brasília pelo exímio trabalho de palhaço.
Na criação cênica, O Arco-íris do Concreto tem figurinos e cenário criados pelo ator e artista visual, Jones Schneider. “Trouxe da minha memória de jovem frequentador o ambiente que via: um palco minúsculo onde as artistas se agigantavam, e desenhos em neon presos às paredes”. Os figurinos remetem ao clima de cabaré, proposta cênica da dramaturgia.
Na iluminação, Lemar Resende cria as dobras de tempos entre o presente e a memória, ao mesmo tempo que faz o globo espelhado girar na batida alucinante da dança. As coreografias são da Drag Queen K-Halla.
O Arco-íris do Concreto segue a pesquisa sobre metamelodrama utilizada por Maggio desde Eu Vou Tirar Você Deste Lugar – As Canções de Odair José, primeiro musical brasiliense indicado ao Prêmio Bibi Ferreira. “Há a apropriação dos elementos do melodrama para comentá-los, evidenciá-los, desdramatizá-los, exagerá-los, usando estratégias teatrais que quebram com a estrutura folhetinesca sem desqualificá-la. Uma estética muito usada no audiovisual por diretores como Pedro Almodóvar e Quentin Tarantino”, destaca o diretor.
Sinopse
Ao lado da jovem drag queen Luna, Mona Mone de Liz Taylor, uma histórica artista transformista, despede-se de Brasília com seu último show. Nos bastidores, recebe a inesperada visita de Martina, filha de Júlio e Help, frequentadores da boate no passado. Martina busca entender a história de amor de pais e a importância da New Aquarius num momento em que a vida LGBTQIA+ era invisibilizada e reprimida pela ditadura militar.
Sobre a New Aquarius
Em outubro de 1974, o servidor público, dramaturgo e diretor de teatro Oswaldo Gessner, criou um bar para o público gay no Conic. Dois anos depois, virou a New Aquarius, primeira boate gay de Brasília. Ficava no subsolo do Conic (hoje o Espaço Galeria, que funciona de forma esporádica, sob locação, e ainda na chancela de Gessner).
As estrelas da New Aquarius eram muitas: Lorraine Star, Maruse, Michelle Presley, Diana Power, a Victória, que de dia era o Victor maquiador da primeira-dama Dulce Figueiredo. Carlinhos Brasil, a Monique, que hoje é a Bebel. Kaká Silva, Francis Taylor, Gal Maria. Tinha o Francis Taylor, que fazia números caricatos, dublagens da Música Popular Brasileira.”
Dica:
O Arco-íris no Concreto
23 e 24 de setembro, às 20h, no Complexo Cultural Samambaia.
26 e 27 de setembro, às 19h30, 28 de setembro, às 18h30; 03 e 04 de outubro, às 19h30; 05 de outubro, às 18h30, no Sesc Silvio Barbato (Setor Comercial Sul).
Acessibilidade: Dia 24.09 (libras e audiodescrição).
Dia 27.09 (libras).
Dia 03.10 (libras e audiodescrição).
Dia 04.10 (libras).
Ingressos gratuitos (Sympla)
Classificação indicativa: 16 anos