Mostra reúne Rubem Valentim e o Modernismo no Museu Nacional

Da Redação
Foto: Divulgação

A partir de hoje (10), o Museu Nacional da República recebe duas novas exposições, “Modernismo Expandido” e “Ilê Funfun – Uma Homenagem ao Centenário de Rubem Valentim”. Na Galeria Principal, a primeira tem curadoria de Denise Mattar e lança um olhar mais largo sobre o movimento modernista nas artes plásticas, a Semana de Arte Moderna de 1922. A outra, no Mezanino, com curadoria de Daniel Rangel, traz, entre seu corpo, o ateliê do artista que foi doado ao Museu de Arte de Brasília. Os trabalhos podem ser conferidos até o dia 7 de agosto.

Rubem Valentim começou sua trajetória nos anos 1940 como pintor autodidata e participou dos movimentos de correntes modernas da arte baiana, ao lado de nomes como Mario Cravo Júnior, Carlos Bastos e Sante Scaldaferri. Desde o começo dos anos 1950, iniciou uma pesquisa relacionada às questões litúrgicas das religiões de matrizes africanas, sobretudo, sobre símbolos e ferramentas dos orixás, que se tornaram visualidades obrigatórias em sua produção. Nascido em Salvador (BA), o artista completaria 100 anos em novembro próximo. A celebração da efeméride começou em São Paulo, chega agora a Brasília e daqui segue para Salvador, terra natal do artista autodidata, e Itália.

“Para o Museu Nacional da República, é uma honra receber um conjunto tão especial de obras de Rubem Valentim e apresentá-las ao público brasiliense. Rubem Valentim tem uma ligação profunda com Brasília, cidade onde viveu e consolidou sua pesquisa técnica e poética voltada à geometria construtiva e à simbologia de herança cultural africana. É também uma alegria comemorar o centenário de seu nascimento e colocar em destaque a produção de um artista preto, a visualidade e a poética de matriz africana”, afirma a diretora do MUN, Sara Seilert.

A mostra traz, em o “Templo de Oxalá”, um conjunto de obras com 20 esculturas e 10 relevos de Rubem Valentim, considerados o ápice de seu trabalho, doadas ao Museu de Arte Moderna da Bahia (MAM-BA), em 1997, e restauradas em 2022. “Ateliê” revela o processo criativo do artista. Traz quadros que ficaram inacabados quando ele morreu, em 1991, e as ferramentas que ele usava.

“Rubem Valentim é um artista seminal para a arte brasileira, o primeiro a propor um diálogo entre a pureza do abstracionismo geométrico e a cultura negra do país. Valentim foi professor da UnB, mas decidiu deixar a universidade quando as perseguições da ditadura contra alunos e docentes se intensificaram. Mas ele nunca abandonou Brasília, que adotou como sua terra e na qual produziu um dos corpos de obras mais singulares da história nacional. Portanto, é um prestígio e um resgate da memória cultural da cidade receber a exposição na cidade”, diz Marcelo Gonczarowska Jorge, diretor do Museu de Arte de Brasília (MAB).

Marcelo conta que Valentim havia montado na sua residência, na capital federal, um ateliê onde produzia suas obras com esmero quase artesanal. Ao morrer, sem deixar filhos, seus herdeiros, residentes em outros locais do país, decidiram legar para o MAB os objetos, móveis, documentos e obras de arte que formavam seu ateliê. A doação ocorreu por intermédio de Bené Fonteles, amigo e confidente do artista baiano. Desde então, esse ateliê foi exposto pouquíssimas vezes, e era quase totalmente desconhecido dos especialistas no artista. Com a mostra ‘Ilê Fun Fun’, a obra circulou pelo país e retornará ao MAB para ficar em exposição permanente”, acrescenta.

“O que é mais importante sobre Rubem Valentim está nessa exposição. Da religiosidade potente aos objetos que circundavam toda sua criação, apresentamos vida e obra desse grande artista”, diz o curador Daniel Rangel. O “Templo de Oxalá”, com sua cor branca predominante, representa o panteão dos orixás saudando Obàtálá, o criador dos humanos na mitologia iorubá. Trata-se do mais velho dos orixás, o rei de vestes brancas, raiz de todos os outros orixás.

Esse trabalho foi apresentado pela primeira vez em 1977, na XIV Bienal Internacional de São Paulo, em uma sala especial dedicada ao artista. À época, o crítico, historiador e curador independente Frederico de Moraes disse se tratar “da primeira eclosão da espiritualidade dos afro-brasileiros (…) realizado no mais alto nível das conquistas plásticas da arte contemporânea internacional”. Daniel Rangel conta que “essa analogia de uma possível festa para Oxalá, na qual as esculturas são divindades vestidas de branco em louvor ao orixá funfun, é o ponto de partida da narrativa”.

Após a exibição no Museu Nacional da República, em Brasília, a exposição retornará ao MAM-BA, quando reinaugurará a sala especial de Rubem Valentim no museu. Por fim, integrando a comemoração internacional do centenário, em novembro, haverá uma mostra com a produção do artista em Roma, onde Rubem viveu de 1963 a 1966, no Palazzo Pamphili, endereço da Embaixada Brasileira em Roma.

A galeria de arte Almeida & Dale Galeria de Arte produziu um livro, apresentado pelo curador Daniel Rangel com a colaboração de importantes nomes relacionados ao artista, que será lançado também no MUN. Marcelo Gonczarowska Jorge, diretor do MAB, e Sara Seilert, do MUN, assinam um texto contextualizando a relevância de Rubem Valentim nesses espaços. O livro traz uma cronologia ilustrada com fotos de arquivo, que perpassa a vida de Rubem Valentim desde o nascimento, apontando seus principais trabalhos, projetos e exposições no Brasil e no mundo. Também contém textos críticos de Frederico Morais, Theon Spanudis e Alberto Beuttenmuller, que demonstram a grande importância de Valentim para além do concretismo.

MODERNISMO FORA DO EIXO

“Modernismo expandido” busca evidenciar a qualidade da arte brasileira realizada fora do eixo Rio-São Paulo, chamando a atenção para os processos excludentes decorrentes da centralização cultural. Com esse fim, Mattar selecionou 68 obras de 46 artistas de cinco estados brasileiros – Bahia, Ceará, Minas Gerais, Pernambuco e Rio Grande do Sul, entre as décadas de 1930 e 1950. A curadora coloca lado a lado obras de artistas conhecidos nacionalmente e daqueles com projeção apenas local, mas com produção considerada pelos críticos como importante e representativa do modernismo.

A pesquisa de Denise Mattar aponta que, na Bahia, o modernismo começa a se consolidar a partir de 1937, com a organização dos Salões da Ala das Letras e das Artes (ALA), e ganha impulso com a federalização, em 1946, da Universidade Federal da Bahia (UFBa), criando assim as escolas de Teatro, Música e Dança. Nesse período de efervescência, surgiram nomes, no cenário baiano, como Dorival Caymmi, Jorge Amado, Mestre Didi e Carybé.

O Nordeste mostra sua força também no Ceará, onde o modernismo se organizou a partir do surgimento, em Fortaleza, do Centro Cultural de Belas Artes. Mattar selecionou como representantes no Ceará as obras de Aldemir Martins, Antonio Bandeira e Barrica. No Recife, a onda modernista impulsionou nomes como Ledo Ivo, João Cabral de Melo Neto e Ariano Suassuna, idealizador do Movimento Armorial, de valorização das artes populares nordestinas.

O modernismo em Minas Gerais surgiu, nas escolhas da curadora, em três momentos, tendo como ápice a Exposição de Arte Moderna de 1944, quando o prefeito de Belo Horizonte era Juscelino Kubitschek, mais tarde o presidente do país em cujo governo foi construída a atual capital federal. JK levou duas caravanas de intelectuais do Rio e de São Paulo para apresentá-los ao complexo da Pampulha, um dos primeiros conjuntos arquitetônicos modernistas do mundo. O evento foi um marco na carreira de Oscar Niemeyer, que costumava repetir mais tarde que “Brasília nasceu na Pampulha”. Dos artistas de Minas, a curadora selecionou obras de autores como Alberto da Veiga Guignard, Delpino Jr., Farnese de Andrade, Fernando Pierucetti e Franz Weissman.

“Modernismo Expandido” também evidencia que, no Rio Grande do Sul, o movimento começou a se articular no início dos anos 1950, com a reestruturação do ensino de pintura na Escola de Belas Artes e a criação do Museu de Arte do Rio Grande do Sul. Contribuiu no processo o surgimento do Clube dos Amigos da Gravura de Porto Alegre, criado por Carlos Scliar na década de 1950 reunindo artistas de esquerda, filiados ou simpatizantes do Partido Comunista do Brasil (PCB). Esse grupo se engajou em um projeto de democratização da arte e de conscientização política, propondo uma arte nacional, realista, voltada à classe trabalhadora e às tradições culturais locais.

Dica:
Galeria Principal
“Modernismo expandido”, Curadoria de Denise Mattar.
Sessenta e oito obras de 46 artistas de cinco estados brasileiros – Bahia, Ceará, Minas Gerais, Pernambuco e Rio Grande do Sul.
De 10 de junho a 7 de agosto

Mezanino
“Ilê Funfun: Uma Homenagem ao Centenário de Rubem Valentim”, Curadoria de Daniel Rangel
Exposição e lançamento de livro
De 10 de junho a 7 de agosto

Galeria Térreo
Pedro Gandra — “Paraíso sem vocabulário”
Isabela Couto — “Guardadora de água”.
Até 26 de junho

Sala 2
Coletiva – “Para onde foi a espessura da carne?
Até 26 de junho

Instagram: @museunacionaldarepublica